Rubens Amador
Recordando episódios que a Segunda Guerra gerou (final)
Para encerrar este trabalho que já se estende demais, o incidente que me marcou definitivamente pelo que encerrou de triste, aconteceu na Rua General Osório. Foi na casa de um fotógrafo. Se por ventura algum participante daqueles fatos vierem a me ler, que me perdoem por reviver momentos tão amargos que, tenho certeza, jamais gostariam de relembrar. Mas não posso deixar de me referir a eles como advertência. A violência oblitera, cega, destrói. Urge pois, que pensemos um segundo antes de cometê-la, e que prevaleça o bom senso para que uma injustiça não venha a marcar para sempre toda a nossa vida.
Pois na Rua Osório, próximo a Floriano, confronte a casa do profissional que acima referi, outra firma, uma grande ferragem, chamada: " Ferragem Marxen", do alemão Paulo J. Marxen, ardia violentamente, e onde eu vi jogarem dezenas de arados, fogões, ferramentas, fogareiros "Primus", caixa registradora, móveis, enfim, tudo, em enorme fogueira, Em dado momento alguém lembrou que o fotógrafo defronte também era alemão, o Sr. Fritz Hoffman. Como o prédio da ferragem já ardesse, dirigiram-se para o estúdio e residência do fotógrafo em frente. Gritaram: "Está fechada por dentro! Vamos arrombar!". Neste exato momento alguém jogou para cima do prédio um grande pedaço de madeira em chamas. As vítimas dessas violências, quando sabiam que se dirigiam para suas casas, fugiam imediatamente.
O que o Sr. Fritz fez, num gesto de auto defesa, deixando no interior da casa sua esposa, uma brasileira que conheci, e seus dois filhos menores - pelotenses - o Selmo e a Selma, que costumavam, brincar conosco. Eram nossos amigos. Como tudo estivesse bem fechado, resistindo as investidas dos atacantes, pessoas de bom senso perceberam que o teto já ardia e que se houvesse pessoas lá dentro, como tudo indicava, poderiam morrer. Então alguém ligou para os bombeiros afirmando que vidas corriam perigo. Em seguida, pela Osório quase esquina Floriano, os carros vermelhos chegavam com sirenes abertas. A cena era a mais ensandecida possível. Ao ruído infernal se somava a gritaria histérica dos participantes daquele festim diabólico. Cientes de que havia mesmo gente lá dentro - o incêndio se alastrando - os bombeiros rapidamente começaram a arrombar as portas, que eram duas, com machadinhas. Aberta as portas de par em par, dá-se um momento tristemente inesquecível. Um carro preto, "de praça", como se chamavam na época os taxis, estaciona frente à casa em chamas, e lá de dentro, impotentes e arrasadas, surgem três frágeis pessoas. A esposa do Sr. Fritz e seus filhos, crianças de cerca de dez, doze anos, agarrados uns aos outros, chorando. Selma estava abraçada com uma boneca, tudo que conseguira salvar. A turba estacou numa absoluta expectativa, inclusive ficando em silêncio, talvez comovidos.
Mas a irracionalidade voltou a reinar em segundos. Mal o carro dobrou na esquina próxima, a gritaria furiosa retomou e não ficou pedra sobre pedra. Nunca consegui entender aquilo tudo, e ainda hoje, decorridos tantos anos não o consigo. Afinal, quem entende as guerras e suas loucuras, se os inimigos de ontem são os grandes amigos de hoje?
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário